Bilhete de entrada do Jardim Zoológico de Vila Isabel,
datado de 1895, com o qual se fazia o jogo do bicho.
Reprodução fotográfica MIS.
Rio - O Rio aplaude as UPPs e o combate ao tráfico, mas muitos cariocas ainda são condescendentes com o jogo do bicho. Em alguns anos na Cidade Maravilhosa, aprendi que o bicho tem uma presença muito forte no seu dia a dia e já foi tema de sambas, filmes e novelas. Mas ainda me choco quando ouço o intérprete de uma escola de samba gritando livremente “Solta o bicho!” — uma clara apologia ao jogo ilegal.
Há anos o Bicho faz ‘lavagem de imagem’ de seus crimes. Às vezes, a verdade surge. Em dezembro, a Polícia do Rio revelou que o bicho virou uma loteria de resultados manipulados. Nunca dá zebra: apostadores perdem, bicheiros ganham.
Até os anos 60, o bicheiro era um tipo romântico. Natal da Portela é exemplo. Não ostentava riqueza, andava de chinelos, não tinha cobertura na Zona Sul, vivia modestamente em Madureira. Nos anos 70, bicheiros bem-sucedidos abriram portas no high-society, frequentando colunas sociais e restaurantes badalados. Fizeram amizades com pessoas importantes. Promoveram uma glamourização de suas atividades e viraram mecenas da arte popular, bancando megadesfiles de ‘suas’ escolas de samba e apoiando times de futebol. Apesar desse glamour, continuaram a praticar assassinatos, ameaças e corrupção.
Em 1993, a juíza Denise Frossard condenou 14 bicheiros a seis anos de prisão por formação de quadrilha. Três anos depois, estavam todos soltos, por indulto ou liberdade condicional. Em 2007, a Operação Hurricane, da Polícia Federal, voltou a prender bicheiros, e de novo eles foram libertados.
Nos últimos 30 anos, o bicho ganhou novos concorrentes: loterias federais e estaduais; a abertura econômica, que barateou produtos de consumo; o advento de novos serviços básicos, como celular, TV a cabo e Internet. Em resposta, os bicheiros diversificaram seus ‘negócios’: contrabando, caça-níqueis, bingos e cassinos. Criaram um sistema eletrônico de apostas, onde os ‘banqueiros’ veem, em tempo real, os números mais apostados, retirando-os dos sorteios. Acabou a ‘honestidade’ e o romantismo dos tempos de Natal.
Chegou a hora de a sociedade definir se quer ver o bicho de forma romântica, ou vai encarar sua realidade criminosa. Em outras palavras: ou se legaliza o bicho e o jogo passa a pagar impostos, ou vamos criminalizá-lo de vez, com leis mais consistentes. O que não pode é a Polícia dedicar seus escassos recursos, essenciais no combate à criminalidade, para prender bicheiros que logo serão libertados.
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