Relatório confidencial com o rastreamento de 87 — das mais de 500 — armas apreendidas pelas forças de segurança nos complexos do Alemão e da Penha, durante a ocupação de novembro 2010, mostra que o tráfico local tinha armas do mundo inteiro. Os bandidos possuíam 17 fuzis, metralhadoras, submetralhadoras e pistolas desviadas de paióis de polícias e forças armadas de países da América do Sul e até da África.
A Bolívia foi o país que mais perdeu armas oficiais para criminosos do Rio: 12. Foram dez armas (entre fuzis, metralhadoras e submetralhadoras) desviadas das Forças Armadas; e dois fuzis do Ministério do Interior.
A Interpol informou que o armamento das Forças Armadas bolivianas foi fabricado na República Tcheca, antes da Segunda Guerra Mundial. Os registros da fábrica acabaram destruídos ou roubados durante o conflito, o que impossibilitou o seu rastreamento. Já os dois fuzis 7.62 do Ministério do Interior foram comprados em 1989, da fabricante espanhola CETME. Na ocasião, foram adquiridos 750 fuzis e 75 mil cartuchos de uma só vez.
Segundo o documento confidencial ao qual o EXTRA teve acesso, a Argentina teve três armas de arsenais oficiais desviadas para o Alemão: um fuzil do Serviço Penitenciário Federal; uma submetralhadora que pertencia à Polícia da Província de Santa Fé; e outra submetralhadora da Polícia de Buenos Aires. As três armas são de fabricação argentina.
Os traficantes também usavam duas pistolas 9mm importadas. Uma pertencente ao Ministério do Interior do Uruguai (fabricada na Áustria); e outra do governo da antiga República da Rodésia, atual Zimbábue, na África (produzida na Bélgica).
Países fabricantes
Das 87 armas rastreadas, 28 foram fabricadas no Brasil, seguido da República Tcheca, com dez; da Alemanha, com nove; e da Áustria, com oito.
— O rastreamento confirma nossa última pesquisa, feita em 2010 para o Ministério da Justiça, "Estoques e Distribuição de Armas de Fogo no Brasil". A partir da análise de informações sobre 300 mil armas apreendidas em todo o Brasil, de 2000 a 2008, concluímos que menos de 10% do armamento era de fabricação estrangeira — diz Antônio Rangel Bandeira, coordenador do Projeto de Controle de Armas da ONG Viva Rio.
Desvio nas polícias do Rio e Mato Grosso do Sul
Ainda segundo o rastreamento das 87 armas achadas no Alemão, 21 delas estavam cadastradas no Brasil. Havia duas armas de arsenais oficiais: um revólver Taurus, da Polícia Civil do Rio, e uma espingarda da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul. As outras 19 estavam em nome de empresas de vigilância, lojas de armamento e de cidadãos, como vigilantes, policiais e autônomos.
— O Brasil não tem um sistema adequado de controle de seus próprios paióis e da conduta dos agentes públicos com acesso a armas e munição. E também não fiscaliza adequadamente o setor privado, ou seja, as empresas de segurança, as lojas de armas e munição, os colecionadores e atiradores... Há enormes brechas por onde o armamento passa da legalidade para a ilegalidade — explica o deputado Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das Armas na Assembleia Legislativa do Rio.
O Paraguai teve nove armas rastreadas — a maioria de lojas em Assunção e Pedro Juan Caballero, na fronteira com o Mato Grosso do Sul. Os Estados Unidos estão em terceiro lugar: foram oito, todas em nome de lojas de armamento.
A Argentina teve três rastreadas (todas elas de paióis oficiais).
Itália e Bolívia tiveram duas, cada. No caso da Bolívia, porém, não foram incluídas as dez armas com brasão das Forças Armadas. A fábrica de nove delas, na República Tcheca, perdeu seus registros. A décima foi fabricada na Suíça, pela SIG. Apesar de o fuzil possuir brasão do Exército boliviano, a empresa informou à Interpol que ele foi vendido em 1990 para um homem, morador da própria Suíça.
Registros destruídos pela guerra e por incêndio
Trinta e quatro das 87 armas que foram rastreadas não tiveram seus registros descobertos. Algumas fábricas tiveram seus documentos destruídos por guerras (como na então Tchecoslováquia, atual República Tcheca), ou por incêndios (caso da brasileira Taurus, no Rio Grande do Sul, que pegou fogo em janeiro de 1997).
Também houve casos de números de série que não foram localizados nos arquivos de produção do próprio fabricante da arma
O relatório de rastreamento foi concluído antes da chegada de respostas relativas a quatro pistolas: uma belga (fabricante FN), duas chinesas (Norinco), e uma espanhola (Llama).
Grande parte das mais de 500 armas achadas na ocupação dos complexos do Alemão e da Penha não puderam ser rastreadas porque estavam com a numeração de série raspada. Outros armamentos ainda estão em processo de investigação. A Secretaria de Segurança não informou quantas armas estão nessa situação.
Lei descumprida desde 2005
Em 2003, o Estatuto do Desarmamento determinou que a Polícia Federal criasse um banco de dados com imagens das impressões de raiamento (ranhuras) de todas as armas fabricadas no país. O Decreto 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamentou o Estatuto, deu um prazo de 180 dias para a PF indicar como isso seria feito, mas até agora — sete anos depois — a ordem legal não saiu do papel.
Peritos do Instituto Nacional de Criminalística (INC) da PF concluíram que, além de caro, o banco de dados não cumpriria sua função, que é facilitar na elucidação de crimes cometidos com uma mesma arma.
Se uma arma é muito usada, as ranhuras do cano se alteram e o sistema não conseguiria "positivar" um projétil achado em cena de crime, ou seja, não seria capaz de afirmar se foi disparado desta arma em questão. Para especialistas, o ideal seria a criação de um banco de dados semelhante ao do Escritório de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (ATF, em inglês), do governo dos EUA, que só cadastra armas envolvidas em crimes.
O Ministério da Justiça, ao qual a PF é subordinada, informou que estuda a atualização do decreto que vem sendo descumprido.
Leia mais: http://extra.globo.com/casos-de-policia/policias-forcas-armadas-de-bolivia-argentina-uruguai-abasteciam-trafico-do-alemao-3720329.html#ixzz1kBkWyfwh
Nenhum comentário:
Postar um comentário