LIMA - Um poderoso grupo de narcotráfico do Peru treina crianças como soldados com o objetivo de expandir seu poderio militar e atuação no comércio de drogas na América do Sul, incluindo o Brasil. Segundo especialistas consultados pelo O GLOBO, o clã Quispe Palomino se esconde por trás de um discurso ideológico semelhante ao da organização comunista Sendero Luminoso para doutrinar mais facilmente novos membros e confundir a ação do governo peruano, que combate o grupo como terrorismo e não somente como tráfico de drogas.
Em uma ação policial realizada esta semana, forças peruanas encontraram 11 meninos treinados em um acampamento na região de San Martín de Pangoa. Para serem doutrinados, eles viviam em condições sub-humanas, com comida e água escassas. Os jovens, em maioria meninos de 5 a 11 anos de idade, chamados de “Los Pioneritos”, são filhos de membros menores da organização e são ensinados a usar armas, matar e retirar balas de corpos de policiais mortos. O bando responsável pelo treinamento é identificado pelo governo como parte do Sendero Luminoso, mas especialistas alertam que tal denominação é um erro.
- Essa nova organização não realiza sequestros. Ela não pertence ao Sendero Luminoso. Ela descendeu do senderismo, ascendeu no ano de 1999 e se converteu em uma organização de tráfico armado, que reproduz o modelo das Farc, colombianas - explica Jaime Antezana, especialista em terrorismo e narcotráfico no Peru - Essa organização não é ideológica, ela é uma empresa de tráfico de drogas e vive somente disso. Continuar relacionando este grupo ao Sendero Luminoso é um erro e não corresponde à realidade. Na verdade, ele representa um fenômeno de conversão e ruptura com o senderismo - reforça o especialista.
Carlos Tapia, ex-assessor do presidente Ollanta Humala e especialista político, explica que o Quispe Palomino é um grupo liderado por quatro irmãos criminosos, que descenderam do Sendero Luminoso. Nos últimos quatro anos, a gangue foi responsável pela morte de pelo menos 60 policiais. Segundo ele o treinamento dos meninos não é feito de forma aleatória. No programa, os criminosos buscam fazer uma lavagem cerebral suprindo as duas maiores necessidades psicológicas de uma criança: receber afeto e brincar.
- Para suprir a necessidade de afeto, o criminosos são apresentados como “tios”. Eles fazem metralhadoras de madeira para os pequenos e, aos 11 anos, começa o treinamento com as armas de verdade. Os meninos lutam como se fosse um jogo - conta. - Eles vivem de uma maneira muito rudimentar, no meio da mata - acrescenta Tapia.
Sobre a evolução da participação do meninos dentro do grupo criminoso, Antezana acrescenta que quando atingem os 11 anos, eles já começam a cumprir tarefas dentro do tráfico.
- Os meninos de 11, 12, 13 e 14 anos já cumprem certas funções militares dentro do grupo. Eles buscam informações, como se fossem o serviço de inteligência da organização. Outros são usados na logística militar e para transportar armas sem chamar a atenção de pessoas e autoridades, que os veem como inofensivos. Há registros também meninos de 11 e 12 anos em emboscadas contra policiais e militares do governo. São eles que recolhem as balas nos corpos de policiais mortos e as armas deixadas por eles depois dos conflitos.
Antezana também alerta sobre a forma de combate ineficiente do governo peruano, que trata os traficantes como terroristas. Em um vídeo divulgado pela Presidência do Peru esta semana, o grupo responsável pelo acampamento é identificado como Sendero Luminoso, sem nenhuma menção ao nome do Quispe Palomino.
O clã se autodenomina o Militarizado Partido Comunista-Marxista-Leninista-Maoísta do Peru, um nome parecido com Partido Comunista-Marxista-Leninista-Maoísta do Peru - Sendero Luminoso (PCP-SL) para confundir a população e as autoridades. O especialista explica que uma ação contra uma rede de tráfico teria que ser muito mais complexa, contando com a ajuda de outros países e com um maior suporte financeiro.
- A denominação desse grupo com um nome parecido com o do Sendero Luminoso é para que as Forças Armadas mantenham a atual forma de combate. A estratégia que teria que ser aplicada é de combate integrada com outros países. Estamos combatendo um fantasma, um terrorismo que não existe, e uma ação contra o tráfico exige mais força política e investimento. O governo insiste em uma denominação entre o comércio ilegal e o terrorismo, mas hoje a grupo é puramente voltado para o tráfico de tóxicos como a cocaína.
O Quispe Palomino faz parte de uma rede de tráfico em expansão no Peru e que ameaça ultrapassar a fronteira com o Brasil. Antezana faz um alerta de que o grupo criminoso cresceu principalmente na região peruana de Loreto, que faz fronteira com o território brasileiro. Segundo fontes, eles pretendem aumentar o comércio ilegal de cocaína no Amazonas, levando a drogas pelo ar e por rios.
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