Publicado originalmente no Blog "Poder, Segurança e Relações Internacionais", hospedado no JB online.
De autoria do professor Niemeyer
Quais são as características básicas do contexto sul-americano que encerram condições para a implantação de um sistema de defesa nacional com o perfil ‘abrangente’, quer dizer, não reduzido aos processos, estratégias, recursos e objetivos eminentemente militares?
Em primeiro lugar conta a questão histórica e geopolítica. A América do Sul no contexto pós-Guerra Fria quase que ‘distendeu-se’. A indefinição e ao mesmo tempo a ‘paz americana’ trouxe ao continente a possibilidade de maior autonomia ao mesmo tempo que a necessidade de maior responsabilidade por parte dos países da região. Com o Brasil não foi diferente. Mesmo o País sendo visto como um país-chave na região, a posição do Brasil no mundo pós-Guerra Fria, principalmente no continente sul-americano, pauta-se pelo autonomia com responsabilidade.
Uma postura de defesa nacional abrangente, não necessária e exclusivamente pautada pela utilização de recursos e por objetivos militares, acaba se configurando como uma estratégia eficiente para uma, digamos, ação ‘autônoma, porém mais cooperativa’.
Dentro deste enfoque qual é a ação de defesa nacional mais eficiente e eficaz, por exemplo, em se tratando de uma epidemia de determinada doença na região norte-amazônica? A utilização exclusiva de recursos militares ou a alocação de meios abrangentes ‘de defesa nacional’?
A mobilização de recursos humanos e equipamentos militares exclusivos ou a organização de uma logística e mobilização de médicos de saúde, infra-estrutura hospitalar e a supervisão de técnicos do Ministério da Saúde e das Secretarias Municipais de Saúde envolvidas?
Do ponto de vista diplomático-institucional uma postura de ‘defesa nacional abrangente’ pode vir a evitar constrangimentos - bilaterais ou multilaterais -, com países vizinhos historicamente sensíveis à ação brasileira no campo da alta política.
Neste caso, uma Política de Defesa Nacional se calçaria mais em bases de cooperação e de ação política do que em processos sempre mais assertivos ou originalmente concebidos na ótica militar.
Ainda nesta abordagem, qual seriam ações de defesa mais eficazes se a ameaça fosse um potencial incêndio de proporções gigantescas na floresta amazônica? A utilização de informações estratégicas via um compartilhamento transnacional do Sistema Sivam/Sipam ou um posicionamento de força na fronteira norte?
Também o enfoque integracionista contemporâneo determina objetivos que podem ser muito melhor alcançados a partir de modelos e processos com base abrangente - conceitual e operacional -, de defesa nacional. A integração regional (bi e multilateral) é o locus ideal para equacionarem-se os custos da autonomia e os ganhos da responsabilidade. A ação de defesa nacional, neste caso, é variável determinante. Seus meios e objetivos (e valores implícitos) devem ser muito bem mensurados.
Sob a ótica do desenvolvimento regional, os resultados de projetos e processos de uma defesa nacional abrangente podem ser dimensionados pelas próprias dinâmicas envolvidas e seus resultados. Por exemplo. Os investimentos em infra-estrutura nos chamados ‘espaços vazios’ (e vitais) do País ganham cada vez mais um caráter complementar às ações tradicionais de defesa nacional. Seriam aquelas parcerias entre o setor público e privado para a construção de: estradas interligando cidades estratégicas; portos multi-moldais; vilas agroindustriais de fronteira; entre outros. São processos que abrangeriam outros processos - e vice-versa -, de defesa nacional. Por último, têm-se as questões mais tradicionais, originalmente condicionadas ao campo estratégico-militar. De uso da força.
Mas mesmo neste âmbito um posicionamento ‘abrangente’ de defesa nacional poderá aumentar a eficiência e a eficácia dos processos, seja com o melhor gerenciamento de objetivos e/ou alocação de recursos – sempre operando entre a exclusividade de um emprego militar e/ou via a complementaridade de processos ‘abrangentes’ -, seja com a projeção de uma concepção de defesa nacional mais cooperativa e institucional na perspectiva interestatal sul-americana.
Fonte: Desmistificando o pão nosso de cada dia
Fonte: Desmistificando o pão nosso de cada dia
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José Luis dos Santos Niemeyer Filho, conhecido por seus alunos (dos quais tive a sorte e orgulho de fazer parte) como o "professor Niemeyer" é economista formado pela PUC-SP. Tem doutoramento em Relações Internacionais na FFLCH-USP; integrou o Gacint (Grupo de análise de conjuntura internacional daquela universidade) sob a orientação do prof. Dr. Brás de Araújo. Tem um pós-doutoramento na Unicamp, e é professor convidado em Coimbra. É atualmente coordenador e professor do curso de Relações Internacionais no Ibmec-RJ, e no Ibmec-MG.
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